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\documentclass[artigo]{coppe-artigo}

\usepackage{booktabs}% tabelas mais bonitas
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\usepackage[most]{tcolorbox} % caixas de texto
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\begin{document}
  \title{Internet ou Skynet}
  \foreigntitle{Internet or Skynet}
  \author{Vincenzo}{Tozzi}
  \advisor{Prof.}{Luiz Arthur}{Faria}{D.Sc.}
  \advisor{Prof.}{Henrique}{Cukierman}{D.Sc.}

  \department{PESC}
  \date{01}{2025}

  \keyword{Internet}
  \keyword{Utopia}
  \keyword{Distopia}
  \keyword{Digital}
  \keyword{Movimentos}
  
  \maketitle

%%  \frontmatter
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%  \dedication{Para nós, 99 \% da população}
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  \begin{abstract}

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    Breve análise da história da Internet e os movimentos sociais.
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  \end{abstract}

  \begin{foreignabstract}

    A brief analysis of the history of the Internet and social movements.    

  \end{foreignabstract}

  %% \tableofcontents
  %% \listoffigures
  %% \listoftables
  %% \printlosymbols
  %% \printloabbreviations

 % \mainmatter
  \section{Introdução}

  Este trabalho realizado para a disciplina "Cartografia das
  Controvérsias" usa a metodologia proposta por Latour com a Teoria
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  Ator-Rede (TAR) e por Venturini, com seu trabalho: "Mergulhar no
  magma: como explorar as controvérsias com a Teoria
  Ator-Rede"\cite{Venturini2009}
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  Nesse artigo discute-se como o uso das tecnologias e principalmente
  a Internet pode ser controverso.
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  Se de um lado a TAR coloca a necessidade de ter uma posição
  subjetiva na pesquisa, também coloca a necessidade de chamar a
  participar os diferentes atores envolvidos, humanos e não humanos, e
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  suas redes, mostrando os pontos controversos, pois segundo os
  autores, é no calor do debate que conseguimos nos aprofundar no
  argumento, colher mais detalhes e mais pontos de vistas.
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  A TAR é um marco nos Estudos CTS enquanto define novos princípios
  que visam rever a posição do pesquisador, orientando-o a, em vez de
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  buscar uma suposta neutralidade, universalidade e imparcialidade,
  interagir e mergulhar no contexto estudado, como diz Venturini,
  mergulhar no magma.
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  Assumir e defender o seu ponto de vista como pesquisadoras é o que
  defende também o trabalho de Donna Haraway com a proposta dos
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  "Conhecimentos Situados".
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  O trabalho dela me lembrou o jornalista pacifista, Dino Frisullo,
  que conheci em 2001, voltando do Kurdistan Turco, dizia: Para
  retomar o fio da leitura do mundo, tem somente um jeito: colocar-se
  no lugar das vítimas. Olhar o mundo, mesmo o nosso, com os olhos
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  deles. Com os olhos dos refugiados, dos discriminados, dos
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  famintos. Mas isso não é possível se, mesmo se por um instante, não
  compartilhe parte da vida deles.\footnote{ Tradução nossa de - "Per
  riprendere il filo della lettura del mondo c’è un solo modo:
  mettersi dalla parte delle vittime. Guardare il mondo, anche il
  nostro, con i loro occhi. Con gli occhi dei profughi, dei
  discriminati, degli affamati. Ma questo non è possibile se, anche
  solo per un attimo, non si condivide una parte della loro vita." }.

  Desde minha adolescência já me perguntava sobre nossa relação com o
  progresso científico e a natureza. Há mais de 20 anos participo de
  movimentos sociais atuando nas frentes de apropriação, pesquisa e
  desenvolvimento tecnológico. O ponto de vista apresentado é em parte
  subjetivo, mas, principalmente, síntese de um trabalho coletivo e de
  experiências diretas nos movimentos que agora, como aluno do
  Mestrado Informática e Sociedade do PESC/UFRJ, compartilho com a
  comunidade acadêmica.
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  \section{Ano 2000 e a infância dos movimentos digitais}
  
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  No começo de 2000 cursava Ciência da Computação na Universidade de
  Florença, na Itália, participando ativamente do movimento estudantil
  e social. Florença, importante centro político e cultural,
  historicamente ligada à esquerda, era, e ainda é, uma importante
  base do movimento internacional pacifista e antiglobalização. Nesses
  anos Internet era um território virgem e estruturalmente muito
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  próximo às universidades. As universidades foram o berço da própria
  Internet. Mas já na época as policitas de acesso eram hierárquicas
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  muito restritivas. Buscando popularizar mais o acesso a esses
  conhecimentos, em 2001, ocupamos uma sala do Departamento de
  Matemática U. Dini e fundamos o LISA (Laboratorio di Informatica
  Sperimentale Autogestito).
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  Com a cumplicidade e ajuda dos gestores dos Centros de Cálculo e a
  alguns professores da Matemática e da Engenharia, o LISA e o
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  LILiK\footnote{Laboratorio de Informatica Libera del Kolletivo}
  junto aos Collettivo di Scienze, e o Coordinamento degli Studenti di
  Sinistra, conseguimos entrar de "forma plena" na Internet. Tínhamos
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  alguns server com IP públicos, e mantínhamos uma infraestrutura
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  muito avançada com hospedagem de sites, blog, e-mail, mailing list,
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  radio web. Usávamos e desenvolvíamos Software Livre, com
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  computadores reciclados e doados.
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  Nos tínhamos poucos recursos mas o nosso pedacinho de território na
  Internet era tão avançado quanto aquele de grandes empresas. E com
  esse ferramental organizamos e desenvolvemos a comunicação digital
  dos movimentos. Fazíamos isso para o próprio movimento estudantil,
  mas também hospedando e instrumentalizando os outros movimentos
  sociais como Indymedia\footnote{Indymedia Itália se estruturou
  inicialmente a partir de alguns grupos de Florença e Milão. O
  coletivo de Florença era "mais politico" e "menos técnico" e se
  aproximou do LISA quando organizamos o Dinux, cursos de Linux
  básico.}  que junto ao movimento no-global e os Fóruns Sociais, se
  expandia em muitos países, organizando-se em coletivos locais e
  territoriais.

  \subsection{Internet ou Skynet}
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  No começo do milênio, a "infância" desses "movimentos digitais", com
  os movimentos sociais se apropriando e até liderando a comunicação
  digital, era uma brincadeira séria e carregava toda a esperança de
  um futuro promissor e de Internet como um novo território utópico de
  liberdade.

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  Um autor que descreve bem esse momento é o Levy (1993)\cite{Levy1993}:
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  \begin{longquote}
    Há toda uma dimensão estética ou artística na concepção das
    máquinas ou dos programas, aquela que suscita o envolvimento
    emocional, estimula o desejo de explorar novos territórios
    existenciais e cognitivos, conecta o computador a movimentos
    culturais, revoltas, sonho
  \end{longquote}

  Levy (1997)\cite{Levy1997}:

  \begin{longquote}
    não é o território geográfico nem o das instituições ou dos
    Estados, mas um espaço invisível dos conhecimentos, dos saberes,
    das forças de pensamento no seio da qual se manifestam e se
    alteram as qualidades do ser, os modos de fazer sociedade. Não os
    organismos do poder, nem as fronteiras disciplinares, nem as
    estatísticas dos mercados, mas sim o espaço qualitativo, dinâmico,
    vivo, da humanidade que se inventa ao mesmo tempo que produz o seu
    mundo
  \end{longquote}
  
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  Esse ideia de Internet como espaço de revolução é registrado também
  pelo Castells (2003)\cite{Castells2003}:
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  \begin{longquote}
    os movimentos sociais do século XXI, ações coletivas deliberadas
    que visam a transformação de valores e instituições da sociedade,
    manifestam-se na e pela Internet. O mesmo pode ser dito do
    movimento ambiental, o movimento das mulheres, vários movimentos
    pelos direitos humanos, movimentos de identidade étnica,
    movimentos religiosos, movimentos nacionalistas e dos defensores/
    proponentes de uma lista infindável de projetos culturais e causas
    políticas
  \end{longquote}

  Moraes (2001) no Brasil\cite{Moraes2000}:

  \begin{longquote}
    O ambiente tendencialmente interativo, cooperativo e
    descentralizado da Internet introduz um componente inesperado e
    criativo nas lutas sociais da segunda metade dos anos
    90. Partidos, sindicatos, organizações não-governamentais e até
    grupos guerrilheiros, ainda que eventualmente separados por
    estratégias e táticas de ação, descobrem no ciberespaço
    possibilidades de difundir suas reivindicações. E o que é
    desconcertante: sobrepujando os filtros ideológicos e as políticas
    editoriais da chamada grande mídia. Não se tem a pretensão de
    atingir milhões e milhões de pessoas, privilégio dos que detêm o
    controle dos meios de comunicação tradicionais. O que se busca é
    promover a disseminação de ideias e o máximo de
    intercâmbios. Poder interagir com quem quer apoiar, criticar,
    sugerir ou contestar. Como também driblar o monopólio de
    divulgação, permitindo que forças contra-hegemônicas se expressem
    com desenvoltura, enquanto atores sociais se empenham em alcançar
    a plenitude da cidadania e a justiça social. O Movimento dos
    Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Central Única dos
    Trabalhadores (CUT), a Ação da Cidadania contra a Fome e a
    Miséria, a Anistia Internacional, Confédération Internationale des
    Syndicats Libres, o Human Rights Watch, o Greenpeace, a Rede de
    Informações do Terceiro Setor (Rits), o Fórum Nacional pela
    Democratização dos Meios de Comunicação, a Conferência Nacional
    dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil, o
    Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), do México,
    entidades feministas e partidos políticos inscrevem-se entre as
    organizações da sociedade civil que decidiram apostar na web.
    [..]  A militância on line vem alargar a teia comunicacional
    planetária, usufruindo de uma das singularidades do ciberespaço: a
    capacidade de disponibilizar, em qualquer espaço-tempo, variadas
    atividades, formas e expressões de vida.
  \end{longquote}

  No entanto as primeiras repressões não tardaram a chegar. Os
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  computadores e os ativistas de Indymedia Italia se tornaram alvo de
  perseguições executadas no dia 20 de Fevereiro de 2002 em varias
  cidades da Itália, Bologna, Taranto, Turin e Florença. Cedo pela
  manhã, 200 carabinieri (policia militar) e dezenas de meios
  blindados intervieram com a ordem de confiscar os arquivos do
  Indymedia Itália.\footnote{Indymedia, na época organizou um ato
  nacional em Roma para denunciar o ataque e a
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  repressão. \url{https://web.archive.org/web/20020405131307/http://italy.indymedia.org/underattack/index.html}}

  A literatura e o cinema, há tempos nos preparavam para outros
  horizontes mais distópicos. Utopia ou Distopia, Internet ou Skynet,
  a IA imaginada no famoso filme Terminator, de 1984. Essa
  controvérsia é parte de controvérsias maiores e históricas com
  visões críticas sobre o progresso científico e as tecnologias. Não é
  simples aplicar a TAR a uma temática tão ampla que abrange
  praticamente a população mundial e o planeta inteiro. Vamos nos
  limitar a uma análise crítica da pesquisa acadêmica das últimas duas
  décadas, sobre o uso das redes sociais pelos movimentos.

  O otimismo prevalece nos textos publicados na primeira década do
  milênio, com o auge representado pela chamada Primavera Árabe.

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  Castells aqui mostra como, na época, na Internet, se respirava um
  clima de otimismo, autonomia e liberdade.
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  Castells (2001)\cite{Castells2001}:

  \begin{longquote}
    Nos últimos anos, a mudança fundamental no domínio da comunicação
    foi a emergência do que chamei de autocomunicação - o uso da
    internet e das redes sem fio como plataformas da comunicação
    digital. É comunicação de massa porque processa mensagens de
    muitos para muitos, com o potencial de alcançar uma multiplicidade
    de receptores e de se conectar a um número infindável de redes que
    transmitem informações digitalizadas pela vizinhança ou pelo
    mundo. É autocomunicação porque a produção da mensagem é decidida
    de modo autônomo pelo remetente [...] a comunicação digital é
    multimodal e permite a referência constante a um hipertexto global
    de informações [...] A autocomunicação de massa fornece a
    plataforma tecnológica para a construção da autonomia do ator
    social, seja ele individual ou coletivo, em relação as
    instituições da sociedade
  \end{longquote}

  Della Porta e Mosca (2005)\cite{PortaMosca2005}:

  \begin{longquote}
    Em movimentos sociais, e em outros campos também, apenas
    recentemente a pesquisa empírica começou a produzir interpretações
    mais detalhadas dos efeitos da Internet como um desafio e uma
    oportunidade. Em particular, estudos empíricos de movimentos
    sociais destacaram algumas contribuições específicas que a
    Internet faz para as atividades desses atores coletivos. Primeiro,
    seu uso puramente instrumental é útil na organização e na
    logística de manifestações, e como um meio para diferentes grupos
    se manterem conectados. Segundo, a Internet também pode ser um
    meio específico para a expressão direta de dissidência e
    protesto. Terceiro, ela tem uma função cognitiva, permitindo que
    informações sejam disseminadas e que a opinião pública seja
    sensibilizada sobre questões escassamente cobertas pela grande
    mídia, e também reforça identidades coletivas.\footnote{Tradução
    nossa de - In social movements, and in other fields too, only
    recently has empirical research begun to produce more nuanced
    interpretations of the effects of the Internet as a challenge and
    an opportunity. In particular, empirical studies of social
    movements have singled out some specific contributions that the
    Internet makes to the activities of these collective actors. First
    of all, its purely instrumental use is helpful in the organi-
    sation and the logistics of demonstrations, and as a means for
    different groups to keep networked. Secondly, the Internet can
    also be a specific means for the direct expression of dissent and
    protest. Thirdly, it has a cognitive function, enabling
    information to be disseminated and public opinion to be sensitised
    on issues scantily covered by mainstream media, and also reinforce
    collective identities.}
  \end{longquote}

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  O auge, e ponto de flexão, desse clima de liberdade e otimismo pela
  Internet nos movimentos, coincide com a Primavera Árabe que também
  marca a época da massificação das redes sociais corporativas.
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  Allagui e Kuebler (2011)\cite{AllaguiKuebler2011}:

  \begin{longquote}
    Na Tunísia e no Egito, testemunhamos um novo gênero de revolução
    cuja característica distintiva está em sua organização por redes e
    particularmente em redes sociais, que desempenharam um importante
    papel informativo e organizacional... Tunisianos e egípcios
    decidiram pôr fim a anos de humilhação, corrupção e
    privação. Tendo usado o Facebook, celulares, YouTube ou apenas o
    boca a boca, várias pessoas alfabetizadas em computadores e
    analfabetas se reuniram nas ruas, protestaram e algumas acabaram
    morrendo. Mas eles venceram sua revolta pacífica e desarmada; eles
    venceram sua revolução.\footnote{Tradução nossa de - In Tunisia
    and Egypt, we have witnessed a new genre of revolution whose
    distinguishing feature lies in its organization by networks and
    particularly in social networks, which played an important
    informational and organizational role…Tunisians and Egyptians
    decided to put an end to years of humiliation, corruption, and
    deprivation. Having used Facebook, mobile phones, YouTube, or just
    word-of-mouth, a number of people computer literate and
    analphabetic alike-gathered in the streets, protested, and some
    eventually died. But they won their peaceful and unarmed uprising;
    they won their revolution.}
  \end{longquote}

  Tufecki e Wilson (2012)\cite{TufeckiWilson2012}:

  \begin{longquote}
    Com base em uma pesquisa com participantes dos protestos da Praça
    Tahrir no Egito, demonstramos que as mídias sociais em geral, e o
    Facebook em particular, forneceram novas fontes de informação que o
    regime não conseguia controlar facilmente e foram cruciais para
    moldar como os cidadãos tomavam decisões individuais sobre a
    participação em protestos, a logística do protesto e a probabilidade
    de sucesso.\footnote{Tradução nossa de "Based on a survey of
    participants in Egypt's Tahrir Square protests, we demonstrate that
    social media in general, and Facebook in particular, provided new
    sources of information the regime could not easily control and were
    crucial in shaping how citizens made individual decisions about
    participating in protests, the logistics of protest, and the
    likelihood of success."}
  \end{longquote}

  Que primavera foi essa?  Seus efeitos levaram ao que foi chamado de
  Inverno Árabe, que ainda hoje persiste, com uma grande instabilidade
  na região, restauração de regimes autocráticos, violência e crise
  econômica.

  Gomes e Lobato (2016)\cite{GomesLobato2016} no Brasil escrevem na
  seção ``Dar nome ao(s) outro(s) – o percurso da Primavera ao Inverno
  Árabe nas mídias'':
  \begin{longquote}
    Acreditamos que o trajeto conceitual aqui apresentado mostra com
    clareza um processo de ordem cognitiva, de apreensão do mundo, só
    realizável pela via de uma espécie de quadriculamento (um
    diagrama/metáfora) do espaço físico, cultural e social que permite
    o encaixe de cada elemento sob um selo que o define e às suas
    circunstâncias. Tal selo é simplesmente a rubrica operada pela
    palavra, pelo nome dado às coisas.  No entanto, ao longo dessa
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    exposição, permanecemos no nível de articulações lógicas, embora
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    oriundas, para os pensadores que as conceberam, das experiências
    com e no mundo vivido. Assim, para que a exposição teórica se
    feche coerentemente e nossa hipótese se mostre factível, é preciso
    que mostremos a atualidade do processo em eventos de nossa
    realidade.
  \end{longquote}
  
  Mas persiste um "entendimento positivo" que nasce promovido pelo
  termo midiatizado e ocidental "primavera árabe" \cite{Geurts2014},
  que aquele foi um processo e um progresso democrático, que foi
  possível graças a natureza libertadora de internet, das redes
  sociais, ideia que se alimentou (e alimentou) da onda de euforia e
  esperança tecno-utópica do começo do milênio.

  \section{Acabou a brincadeira.. Colonialismo Digital}

  A segunda década do milênio é marcada pelas revelações de uma
  realidade mais distópica e menos otimista, com o trabalho feito pelo
  Assange e o Wikileaks, com os leaks do Manning e Snowden, o caso
  Cambridge Analytica, o vazamento da Hackerteam, a espionagem da
  Dilma.

  No livro "Gli Ingegneri del Caos", Giuliano da Empoli, mostra um
  primeiro grande caso de uso de internet no contexto político e
  eleitoral por Gianroberto Casaleggio que junto ao humorista Beppe
  Grillo fundam na Itália o partido político Movimento 5 Stelle,

  Lundius (2019)\cite{Lundius2019}:

  \begin{longquote}
    Em 2004, ele fundou a Casaleggio Associati, com clientes como
    Hewlett Packard, Philip Morris, JPMorgan Chase, PepsiCo, Marriott,
    IBM e Best Western. Em 2005, a Casaleggio começou a publicar os
    livros de Beppe Grillo e no ano seguinte a Casaleggio Associati
    realizou estudos abrangentes sobre o papel e a importância do
    comércio eletrônico enquanto publicava livros e vídeos sobre a
    eficácia da web quando se trata de convencer as pessoas a comprar
    qualquer coisa e até mesmo mudar suas visões e opiniões. Em junho
    de 2012, Casaleggio teve uma reunião privada com Michael Slaby,
    Diretor de Integração e Inovação da campanha eleitoral de Obama,
    explicando suas teorias sobre como a internet poderia ser uma
    ferramenta essencial para a "democracia direta". Casaleggio
    implementou suas ideias em apoio a Beppe Grillo e seu partido
    populista. Ele agora é creditado por projetar um plano
    empreendedor de primeira linha, adaptando a internet às
    estratégias de mercado que influenciam as escolhas políticas dos
    usuários da rede. Um dos muitos métodos controversos de Casaleggio
    foi o uso de "notícias falsas" e "fatos"
    infundados.\footnote{Tradução nossa de - In 2004, he founded
    Casaleggio Associati, with customers such as Hewlett Packard,
    Philip Morris, JPMorgan Chase, PepsiCo, Marriott, IBM, and Best
    Western. In 2005, Casaleggio began to publish Beppe Grillo's books
    and the following year Casaleggio Associati carried out
    comprehensive studies of the role and importance of e-commerce
    while publishing books and videos about the effectiveness of the
    web when it comes to convincing people to buy anything and even
    change their views and opinions. In June 2012, Casaleggio had a
    private meeting with Michael Slaby, Chief Integration and
    Innovation Officer for Obama's electoral campaign, explaining his
    theories about how the internet could be an essential tool for
    "direct democracy". Casaleggio implemented his ideas in support of
    Beppe Grillo and his populist party. He is now credited with
    designing a first-rate entrepreneur plan adapting the internet to
    market strategies influencing political choices of network
    users. One of Casaleggio´s many controversial methods was the use
    of "fake news" and unsubstantiated "facts".}
  \end{longquote}

  Nessa ultima década se multiplicaram os estudos sobre os perigos da
  Internet e das redes sociais privadas e seu uso cada vez mais para
  manipular e desinformar.

  Treré (2016)\cite{Trere2016}:

  \begin{longquote}
    Com base na exploração de diversas experiências sociais e
    políticas do contexto mexicano contemporâneo, este artigo mostrou
    que novas e sofisticadas ferramentas digitais foram implementadas
    com sucesso por partidos e governos para a fabricação de
    consentimento, a sabotagem da dissidência, o envio de ameaças a
    ativistas e a recolha de informação sem o consentimento dos
    cidadãos. Estes resultados contrastam fortemente com as abordagens
    celebratórias e tecno-otimistas que em várias disciplinas e campos
    conceberam o uso crescente de tecnologias digitais como uma forma
    dos governos resolverem a maioria dos problemas que assolam os
    sistemas políticos contemporâneos. \footnote{Tradução nossa de -
    Basándose en una exploración de varias experiencias sociales y
    políticas del contexto mexicano contemporáneo, este artículo ha
    mostrado que nuevas y sofisticadas herramientas digitales han sido
    desplegadas con éxito por partidos y Gobiernos para la fabricación
    del consentimiento, el sabotaje de la disidencia, el envío de
    amenazas a los activistas y la recogida de información sin el
    consentimiento de los ciudadanos. Estos resultados contrastan de
    forma neta con los enfoques celebrativos y tecnooptimistas que en
    varias disciplinas y campos han concebido el creciente uso de las
    tecnologías digitales como una manera de hacer que los Gobiernos
    rindan cuentas y de resolver la mayoría de los problemas que
    plagan los sistemas políticos contemporáneos.}
  \end{longquote}

  Evangelista (2017)\cite{Evangelista2017} no Brasil escreve:

  \begin{longquote}
    Há uma questão contemporânea extremamente importante na expansão
    do Big Data e dos mecanismos de vigilância eletrônica que penso
    que se relaciona com um crescimento ainda maior das assimetrias de
    poder, em diversos níveis. Estou falando tanto das assimetrias
    entre indivíduos e empresas e governos, por exemplo, como em
    assimetrias entre as próprias empresas e entre países.
    Assimetrias entre aqueles que concentram e fazem uso das grandes
    bases de dados e da inteligência produzida e aqueles que não têm o
    mesmo acesso ou são apenas alvo.
  \end{longquote}
 
  Essa ideia de capitalismo de vigilância, como conceituada por
  Shoshana Zuboff, aponta o surgimento de uma nova forma de
  capitalismo informacional que ``objetiva prever e modificar o
  comportamento humano como meio de produzir lucro e controle de
  mercado. O capitalismo de vigilância gradualmente foi se
  constituindo durante a última década, incorporando novas relações
  sociais e políticas que ainda não foram bem delineadas ou
  teorizadas''\cite{Zuboff2015}

  Cariolle, Elkhateeb, Maurel (2024)\cite{CariolleElkhateebMaurel2024}:

  \begin{longquote}
    "O uso da Internet para acessar notícias tem impacto nas
    percepções dos cidadãos africanos sobre a democracia. Usando
    repetidamente dados transversais da pesquisa Afrobarometer em 35
    países africanos no período de 2011 a 2018, juntamente com uma
    abordagem instrumental variável, permite abordar o potencial viés
    de endogeneidade entre o uso da Internet e as percepções dos
    cidadãos. Os resultados indicam que o uso da Internet para obter
    informações tem um efeito negativo significativo tanto na
    preferência quanto na percepção da extensão da democracia. Esse
    efeito negativo se deve a vários fatores. Primeiro, o uso da
    Internet corrói a confiança nas instituições governamentais,
    principalmente no parlamento e no partido no poder. Aumenta a
    percepção de que os membros do parlamento estão envolvidos em
    corrupção. Além disso, a erosão da confiança está correlacionada
    com mais mobilização política, na forma de maior participação em
    manifestações e votação. Esses resultados ecoam a literatura
    existente e, em particular, sugerem os riscos de reversão dos
    processos de democratização nascentes. Finalmente, a Internet
    parece atuar como um canal de desinformação. Por um lado, a
    percepção dos usuários da Internet sobre a extensão da democracia
    e a percepção da corrupção dos legisladores divergem das
    avaliações dos especialistas. Por outro lado, o uso da Internet
    aumenta a probabilidade de inconsistência nas posições dos
    entrevistados sobre sua preferência pela democracia. A Internet
    não é um canal de informação neutro: ela tende a minar a
    preferência dos cidadãos pela democracia, ao mesmo tempo em que
    altera as percepções sobre as instituições
    políticas. \footnote{Tradução nossa de - The use of the Internet to
      access news has an impact on African citizens’ perceptions of
      democracy. Using repeated cross-sectional data from the
      Afrobarometer survey across 35 African countries over the period
      2011–2018, along with an instrumental variable approach, allows
      addressing potential endogeneity bias between Internet use and
      citizens’ perceptions. The results indicate that using the
      Internet to obtain information has a significant negative effect
      on both the preference for and the perception of the extent of
      democracy. This negative effect is due to several
      factors. First, Internet use erodes trust in government
      institutions, mainly in the parliament and the ruling party. It
      increases the perception that parliament members are involved in
      corruption. In addition, the erosion of trust is correlated with
      more political mobilization, in the form of greater
      participation in demonstrations and voting. These results echo
      the existing literature and, in particular, hint at the risks of
      reversal of nascent democratization processes. Finally, the
      Internet seems to act as a misinformation channel. On the one
      hand, Internet users’ perception of the extent of democracy and
      perception of the corruption of legislators diverge from
      experts’ assessments. On the other hand, Internet use increases
      the likelihood of inconsistency in respondents’ stances on their
      preference for democracy. The Internet is not a neutral
      information channel: it tends to undermine citizens’ preference
      for democracy while also altering perceptions about political
      institutions.
    }
  \end{longquote}


  \section{Cultura Digital e movimentos no Brasil}

  Com o passar dos anos então os movimentos sociais foram adotando
  cada vez mais tecnologias corporativas e privadas controladas por
  grupos e poderes hegemônicos ligados ao capital. É nesse contexto
  chamado também de Colonialismo Digital, as BigTech foram massificando
  sua presença com seus serviços fantasmagóricos e gratuitos,
  marketing cativante, progressista com técnica de social-washing,
  como apoio a projetos sociais. Até o Software Livre foi usado, em
  parte por ser uma fonte valiosa de tecnologia, mas também foi o
  caminho para cooptar muitas pessoas dos próprios movimentos.

  O Brasil foi terreno de experimentação e rico de iniciativas,
  inicialmente suportadas por políticas governamentais inovadoras como
  os Pontos de Cultura, e a adoção e promoção do Software Livre no
  Estado.

  Participei pessoalmente, entre o primeiro e segundo governo Lula, do
  Grupo de Migração para Software Livre do Governo Federal, num dos
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  maiores programas de inclusão digital, o GESAC\footnote{Governo
  Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão}, e na Diretoria de
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  Tecnologia da Presidência da República.

  O movimento da Cultura Digital brasileiro é um grande laboratório
  mundial para os movimentos mas também para o uso massivo de redes
  sociais. Em 2009 o Orkut tinha 18 milhões de usuários, sendo 16
  milhões brasileiros. Também a partir desses anos surgem novos
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  movimentos, como o Mídia Ninja, que adotam os sistema
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  GAFAM\footnote{Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft} como meio
  de ação e comunicação.

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  Se abre então uma época para os nativos das BigTech que mesmo
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  questionando-a, dependem totalmente delas, contribuindo inclusive a
  sua expansão.
 
  Na crítica a esse modelo, existem algumas vertentes principais
  dentro dos movimentos.
  
  \subsection{Luta pelos direitos digitais}

  O Brasil, com a promulgação do Marco Civil da Internet, é pioneiro em
  criar uma legislação para garantir a neutralidade da rede e alguns
  direitos e liberdades. Poder contar com um arcabouço legal sólido é
  fundamental para a defesa dos direitos e a construção de políticas
  públicas mais democráticas. Atualmente os vários órgãos de poder se
  debruçam em cima de formas para regulamentar mais, sem conseguir
  achar regras que contemplem todos os casos, garantindo por um lado a
  liberdade de expressão e do outro limitar os abusos.

  Para limitar por exemplo o uso da extrema direita, de fake news,
  acaba-se dando poderes de censura para o estado e para as BigTech
  promovendo uma visão controladora e submissa a terceiros.

  \subsection{Resistência no gueto}

  Outra resposta criada nos ambientes técnicos e de segurança de
  redes, é a construção de tecnologias decentralizadas com forte uso de
  criptografia, de redes ofuscadas, darknet, VPN e outros sistemas p2p
  para diferentes finalidades. Nesses âmbito se cria um universo muito
  segmentado de difícil acesso apontando para uma realidade e um
  futuro de guetos digitais.

  \subsection{Mais do nosso jeito}

  Há também outros jeitos que vêm de diferentes cosmovisões e práticas
  que vêm inspirando e construindo uma cultura digital baseada em
  outros valores e perspectiva de políticas públicas inovadoras.

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  Fioromonte e Sordi (2019)\cite{FioromonteSordi2019} chamam a atenção
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  para buscar outros caminhos, um desafio tratado a alguns anos no
  mundo acadêmico, sob o termo de Humanidades Digitais (HD).

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  \begin{longquote}
    Se adotarmos o conceito de pluriversalidadde de Walter Mignolo
    (Mignolo 2018) e “la ecología de los saberes” de Boaventura de
    Sousa Santos (Santos et al. 2007), teremos que operar uma mudança
    de nossa concepção das relações centro-periferia, dando às
    margens, e sobretudo à diversidade local das pessoas e das
    práticas (além das línguas e as culturas que as compõem) um valor
    que ainda demora a ser reconhecido em âmbito acadêmico: motor da
    inovação e guardião da diversidade biocultural e epistêmica. as
    regiões do Sul (não apenas o geográfico, mas também o “metafórico”
    [Santos 2017, 68-69]) têm hoje a oportunidade, não tanto de tomar
    a relevância ou de sobrepôr-se com as realidades dominantes, mas de
    colocar-se como referências de modelos plurais e sustentáveis de
    conservação, acesso, transmissão de conhecimento em formato
    digital. Tais modelos devem ser levados a cabo a partir do
    reconhecimento dos diferentes níveis de preconceito cultural e
    epistemológico em que se compõem tanto os processos quanto os
    produtos digitais, pois "informática programas e linguagens de
    programação não são apenas ferramentas para obter trabalho feito
    eles também moldam a forma como pensamos sobre o mundo (Dourish
    2010: 99)\footnote{Tradução nossa de - Si adoptamos el concepto de
    pluriversalidadde Walter Mignolo (Mignolo 2018) y “la ecología de
    los saberes” de Boaventura de Sousa Santos (Santos et al.  2007),
    tenemos que operar un cambio de nuestra concepción de las
    relaciones centro-periferia, dando a los márgenes, y sobre todo a
    la diversidad local de los sujetos y de las prácticas (además de
    las lenguas y las culturas que las componen) un valor que aún
    cuesta reconocer en el ámbito académico: el de motor de la
    innovación y guardián de la diversidad biocultural y
    epistémica. Las regiones del Sur (no sólo el sur geográfico, sino
    también el “metafórico” [Santos 2017, 68-69]) tienen actualmente
    la oportunidad, no tanto de tomar el relevo o de solaparse con las
    realidades dominantes, como de convertirse en referentes de
    modelos plurales y sostenibles de conservación, acceso y
    transmisión del conocimiento en formato digital.  Tales modelos
    deben llevarse a cabo a partir del reconocimiento de los distintos
    niveles de biasculturales y epistemológicos de que se componen
    tanto los procesos como los productos digitales, ya que “computer
    programs and programming languages are not just tools for getting
    work done; they also shape how we think about the world (Dourish
    2010: 99) }.
  \end{longquote}

  Desde 2005 faço parte da Casa de Cultura Tainã, de
  Campinas/SP, comunidade negra referência nacional do movimento de
  cultura digital brasileiro e inspiradora do próprio programa Cultura
  Viva / Pontos de Cultura. Lembro que naquele ano recebemos na Casa
  um executivo da Google, Glenn Otis Brown, que veio através do
  Ministério da Cultura, interessado em conhecer projetos sociais
  relevantes. Em seguida a Casa Tainã foi chamada pela Google para
  receber apoio de 1 milhão de reais no Desafio de Impacto
  Social. Desde então a Tainã decidiu que não era esse seu caminho
  entendendo que a visão da Google e sua proposta de mundo são
  diametralmente opostas aos valores e práticas da Casa e da Rede
  Mocambos. Ainda hoje esta escolha nos permitiu manter outro ponto de
  vista e outros horizontes.

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  A Rede Mocambos, há mais de duas décadas, junto com outros
  movimentos, promove a construção de uma rede estruturada a partir
  dos territórios e das relações ancestrais e de afinidade que existem
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  entre as pessoas que lá vivem. Renovando e equipando com novas
  ferramentas as práticas de troca e escambo, como por exemplo as
  redes de sementes. Cultivando seus territórios digitais
  comunitários, mucuas (computadores) da Baobáxia\footnote{Baobáxia é
  um Software Livre para criar redes de repositórios multimídia,
  pensado para operar em comunidades com nenhuma ou pouca
  Internet. Uma rede Baobáxia é uma coleção de mucúas ou nodos
  (nós). Cada mucúa é um computador ligado na rede da comunidade, onde
  mocambolas (usuáries) podem publicar a própria produção cultural, na
  forma de áudio, vídeo, texto e imagens. Os conteúdos de cada mucúa
  pode ser sincronizado com o de outros mucúas, online ou offline
  através das mucuas moveis das pessoas que circulam nas
  comunidades. As memórias dessa forma se espalham de modo que cada nó
  pode potencialmente abrigar todo o conteúdo de toda a rede.
  \url{https://www.mocambos.net/tambor/pt/baobaxia} } que carregam as
  memórias e ferramentas das comunidades.

  Quem sabe essa visão "mais do nosso jeito" cultivada na Casa de
  Cultura Tainã, tenha inspirado o próprio Gleen O. Brown que em
  seguida saiu da Google e foi conselheiro de políticas digitais na
  Fundação Obama. Em 2018 escreve:
  
  \begin{longquote}
    Se a mídia de amanhã será social ou anti-social não está escrito,
    não está determinado seja o que for que esteja acontecendo
    hoje. De fato simplesmente declarar que as mídias sociais são
    anti-sociais de certa forma ecoa o argumento que às vezes ouvimos
    da própria indústria: não olhe para nós é o algoritmo. É o que
    é. Mas, deveria se dizer, os humanos são responsáveis por escrever
    e gerenciar um algoritmo, e claramente os humanos são responsáveis
    por como ele é usado na vida diária. Primeiro, vamos pensar no
    design do produto. A moção em questão implica que o problema é o
    poder transferido para as massas, a multidão, "social". Mas assim
    perdemos o ponto-chave: o poder sobre o fluxo de informações
    simplesmente mudou de um elite tradicional - elites políticas e
    mediáticas, líderes de pensamento, mídia de transmissão
    tradicional - para uma nova elite, uma elite de projetistas de
    algoritmos.\footnote{Tradução nossa de - Whether tomorrow’s media
    will be social or antisocial is unwritten, not fated by whatever
    is happening today.  Indeed, simply declaring social media to be
    antisocial in a way echoes the argument we sometimes hear from the
    industry itself: Don’t look at us. It’s the algorithm. It is what
    it is.  But, it should go without saying, humans are responsible
    for writing and managing an algorithm, and clearly humans are
    responsible for how it gets used in daily life. First, let’s
    address the former, product designers.  The motion at hand implies
    that the problem is power devolved to the masses, the mob,
    “social.”  But this misses the key point: Power over information
    flow has simply shifted from one traditional elite — political and
    media elites, thought leaders, traditional broadcast media — to a
    new elite, an elite of algorithm designers.}
  \end{longquote}

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  \section{Conclusões}

  Nesse breve artigo tentamos juntar a metodologia da TAR de Latour
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  com os princípios da pesquisa e dos conhecimentos situados de
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  Haraway. O objetivo do trabalho foi mostrar como a tecnologia,
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  Internet no caso, foi mudando e se transformando, de um território
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  utópico de liberdade, para uma nova senzala.
  
  Construir a Internet de baixo para cima, permite retomar uma dimensão
  mais contextualizada e humana e responder de formas mais orgânicas
  para a necessidade de comunicar, compartilhar e preservar
  informações e saberes. Decentralizando a rede, muitas das questões e
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  problemas das BigTech, BigData, fake news, controle e vigilância,
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  ou não se aplicam, ou são redimensionadas.

  É desses dias a notícia que OpenAI, removeu unilateralmente a
  proibição, também assumida unilateralmente, ao uso militar do
  ChatGPT e fechou um acordo com Anduril e o Pentágono para integrar a
  IA ao sistemas de segurança e defesa nacional dos EUA, focando
  também na possibilidade de conectar-se a diferentes redes, nos
  aproximando de algo bem parecido com Skynet. \footnote{Notícia
  veiculada em vários jornais como
  \url{https://timesbrasil.com.br/mundo/openai-anduril-paxhrceria/}}

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  Da página da Wikipédia sobre Skynet:
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  \begin{longquote}
    A Skynet foi construída como uma "Rede Global de Defesa Digital",
    dado o comando sobre todo o hardware informático militar e
    sistemas, incluindo o B-2 da frota de bombardeiros Stealth e todo
    o arsenal de armas nucleares dos Estados Unidos. A estratégia por
    trás da criação da Skynet foi para afastar a possibilidade de erro
    humano e lentidão do tempo de reação para garantir a rápida e
    eficiente resposta a possíveis ataques inimigos. Como proteção
    adicional em caso de infiltração inimiga o sistema não tinha
    nenhum núcleo de sistema centralizado de modo que não podia ser
    desativado para paralisar as defesas.
  \end{longquote}

  Internet ou Skynet?

  Vamos seguir aceitando que nossas vidas sejam mediadas por
  tecnologias que priorizam o lucro e as logicas belicistas?
  
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  Inspirado na frase celebre, atribuída a Zumbi dos Palmares, diria
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  ``Vamos fazer um mundo digital mais do nosso jeito!''
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